quarta-feira, 29 de abril de 2009

Nova inspiração


"Dói-me a cabeça aos trinta e nove anos.
Não é hábito.
É rarissimamente que ela dói. Ninguém tem culpa.
Meu pai, minha mãe descansaram seus fardos, não existe mais o modo de eles terem seus olhos sobre mim. Mãe, ô mãe, ô pai, meu pai.
Onde estão escondidos?
É dentro de mim que eles estão.
Não fiz mausoléu pra eles, pus os dois no chão.
Nasceu lá, porque quis, um pé de saudade roxa, que abunda nos cemitérios.
Quem plantou foi o vento, a água da chuva.
Quem vai matar é o sol. Passou finados não fui lá, aniversário também não.
Pra quê, se pra chorar qualquer lugar me cabe?
É de tanto lembrá-los que eu não vou.
Ôôôô pai Ôôôô mãe
Dentro de mim eles respondem tenazes e duros
porque o zelo do espírito é sem meiguices:
Ôôôôi fia."

Adélia Prado
(Poema Esquisito)

Postado por Renata Muniz
Foto: Júlio Moraes

9 comentários:

  1. Esse poema retrata bastantes cenas do nosso espetáculo, e ja foi fonte inspiradora para um solo desenvolvido por Mary chamado "Pé de Saudade".
    Macaca Muniz

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  2. gente, quem tiver algum poema legal, que fale da morte de uma maneira LEVE, manda pra gente!!! estamos pesquisando alguns para o espetáculo!!

    cheiro
    Maria

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  3. Muito legal o blog de vocês!
    Acho interessante a iniciativa de registrar as idéias de vcs em blog. Parabéns!
    Paula Rodrigues

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  4. meus amores!!! to super feliz com esse momento de voces,me deu saudades da compania da lia onde trabalhamos somente com criaçao coletiva...isso é super excitante,to feliz por voces!!!
    quero ajudar no que eu puder,vou procurar uns txtos,poemas musicas que falem do que voces estao pesquizando...bju enorme e boa continuaçao!

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  5. Lelinha, que bom tu aqui...
    vamos adorar sua ajuda.
    beijo enooorme

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  6. Querida e maquinha, tenho tantas saudades de vocês...o poema que vou mandar não é exatamente de uma morte física, mas de uma morte de amor. Meu coração tá pequenininho (já tô chorando), mas vou ficar muito feliz de ver vocês, se vcs deixarem, ensaiando, ou então na estréia linda!
    amo muito, sempre.

    Leio, insistentemente, todos os dias, como se pudesse encontrar uma resposta que faça doer menos todos o meu corpo e tudo o que me cerca, que me faz lembrar:

    Apelo

    (Dalton Trevisan)

    Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho.

    Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada. Toda a casa era um corredor deserto, até o canário ficou mudo. Não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam. Ficava só, sem o perdão de sua presença, última luz na varanda, a todas as aflições do dia.

    Sentia falta da pequena briga pelo sal no tomate — meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? Às suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa. Calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolha? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor.

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  7. e tem outro, que é a resposta dela:

    Resposta

    (Rita Apoena)

    As meias, senhor, as meias eu vou ensinar como se costuram.
    Primeiro, é preciso alinhavar o tempo. Achar a ponta mais longe e desfazer os embaraços, partindo do fim para o começo. E eu já estava no ônibus quando hesitei, quando desci no primeiro ponto que a agulha desfez entre nós. Subi as escadas caracol, tentando cerzir a nossa fazenda, já estampada de flores tão murchas e, por mais um instante, voltei para casa, senhor. Olhei a casa, senhor. Uma camisa jogada no chão, de braços abertos. Meu apelo em cada canto do quarto. O batom, o vestido. A meia encolhida, sem par. A rede pendurando, solitária, um sorriso na varanda. À espera de um outro sorriso, talvez. Mas o sorriso, na borda da xícara, o senhor esqueceu. A alça sem os laços do seu dedo. Minhas mãos na cintura. Nós dois rodopiando pela sala, em voltas que a cera apagou. E que devem ser as voltas dessa agulha. Essa que lhe ensina a costurar um tecido ferido, senhor.

    Depois, é preciso desatar as linhas. As linhas que o senhor me escreveu nessa carta. E me trouxe a essa casa, um mês depois. Então, era isso, senhor? O leite coalhado? As teias de aranha costurando as fendas no teto? O saca-rolha perdido? A meia furada? A camisa sem botão... O botão sem a casa. A casa. A casa. A casa? O prato na parede. O jarro na parede. A estátua na parede. O relógio tremendo no chão. O ponteiro no cinco. O ponteiro no cinco. O ponteiro no cinco. Uma camisa de braços rasgados. O retrato em duas partes. Um grito alto. As mãos no colo, em abandono. Ouve agora o meu apelo, senhor?


    Amo vocês de novo, Lima.

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  8. Adoro esse livro de Adélia (Bagagem), mandei pra Macaca por e-mail meu poema preferido de Adélia (que também fala de morte).

    bjo

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  9. Aqui está o poema preferido de Conrado.Gostei muito.Tem algo que sempre me angustia na perda é tentar não esquecer dos detalhes dos gestos, da pele, da voz, cheiros...
    beijos




    As mortes sucessivas (do livro "Bagagem")


    Quando minha irmã morreu eu chorei muito
    e me consolei depressa. Tinha um vestido novo
    e moitas no quintal onde eu ia existir.
    Quando minha mãe morreu, me consolei mais lento.
    Tinha uma perturbação recém-achada:
    meus seios conformavam dois montículos
    e eu fiquei muito nua,
    cruzando os braços sobre eles é que eu chorava.
    Quando meu pai morreu, nunca mais me consolei.
    Busquei retratos antigos, procurei conhecidos,
    parentes, que me lembrassem sua fala,
    seu modo de apertar os lábios e ter certeza.
    Reproduzi o encolhido do seu corpo
    em seu último sono e repeti as palavras
    que ele disse quando toquei seus pés:
    ´deixa, tá bom assim´.
    Quem me consolará desta lembrança?
    Meus seios se cumpriram
    e as moitas onde existo
    são pura sarça ardente de memória.

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