quarta-feira, 13 de maio de 2009

Um breve relatório Leve

Se vamos fazer um histórico de como surgiu a ideia primeira do espetáculo, é preciso retornarmos a uma perda real, primeva e muito decisiva: quando partiu a mãe de Maria Agrelli, uma das bailarinas e criadoras de Leve.
Eis que no Reveillon de 2007 para 2008, em conversa com sua amiga e parceira na dança, Renata Muniz, esta revelou a Maria sua não aceitação de tal perda. Um processo criativo, na linguagem que lhes é própria (o corpo e a dança), foi o caminho que escolheram para a purgação de tais sentimentos e experiências que circundam a perda de um ente querido.
Percebendo-se que acompanhar uma agonia de morte é um exercício de desapego, a criação de um espetáculo de dança cuja pesquisa corporal traduz os sentimentos envolvidos nesse processo da morte foi a escolha das bailarinas.
O centro criativo, então, que norteou todo o espetáculo foram os sentimentos que circundam a perda. A partir deles, as bailarinas tentam traduzir – através de laboratórios e exercícios de criação física – no corpo (por meio de metáforas corporais: a cabeça invertida, ou seja, o corpo de ponta-cabeça; as quedas; as náuseas; as buscas e perdas de apoios para os movimentos; os encaizes entre os corpos uma da outra) a morte e apontar para caminhos em que esse processo possa ser vivido (a vida é o contraponto da morte) de forma leve.
O espetáculo busca uma via menos densa, menos agônica, menos violentamente inconformada, apesar de todas essas sensações serem parte do percurso inevitável, tantas vezes, para aqueles que acompanham o desenlace de uma vida rumo a seu término.
Foram feitas pesquisas teóricas em diversas vertentes do saber e sob variadas abordagens: filosófica, cultural (rituais e simbologias), religiosa, histórica, socioantropológica, biológica, médica e estética (poesia e música, sobretudo), não só para se embasar o conhecimento sobre o assunto, mas para se tentarem buscar outros guias, outros caminhos de criação. Vários poemas e músicas foram pontos de partida para os execícios de criação de movimentos. E os sentimentos sempre se reafirmavam como a via possível e autêntica para a criação deste espetáculo.
Entre as leituras, destacou-se a do livro Morte e desenvolvimento humano, de Maria Júlia Kovács; além de alguns filmes, entre os quais destacamos:
Abril despedaçado (sobretudo para a cenografia);
Il y a longtemps que je t’aime;
Invasões bárbaras ;
Do Nascimento à morte (documentário da Superinteressante);
Wit, com Emma Thompson;

Além disso, as reuniões no Gaapac permitiram a troca de experiências com pessoas portadoras de câncer (que experienciam a morte) e parentes e amigos dessas e a imersão na atmosfera de luto e enfrentamento com a iminência possível de falecimento; tanto pela própria vítima da doença, como por aqueles que a cercam. Afinal, de fato, a morte pode nos chegar sem aviso, de surpresa, mas há também um face sua que é a da agonia anunciada (quando de uma doença fatal ou de velhice). Mais uma vez, o trabalho com o Gaapac confirmou que o caminho de criação deste espetáculo era o do sentimento. Cenário, figurino, música, luz e dança: tudo partiu dos sentimentos.
Há que se destacar, ainda, a importantíssima contribuição de alguns membros da equipe de criação que apoiou e contribuiu com as bailarinas Maria Agrelli e Renata Muniz. Uma fundamental participação foi a da preparação corporal a cargo de Liana Gesteira. Lilica, como é chamada pelos membros da equipe de criação, com sua maneira peculiar e generosa de conduzir a preparação corporal – indo além de exercícios de alongamento, aquecimento – para gerar exercícios criativos, soube (de forma lúdica) jogar com as tensões, os temores, as travas que o processo impunha às bailarinas e apontou muitos dos rumos pelos quais o espetáculo enveredou. Eram jogos propostos por Liana que fizeram as bailarinas quebrarem os resíduos e referências de movimentação e dança implantados em seus corpos e impulsionaram-nas a outras sentidos e outra movimentação. Foi, então, o trabalho e a presença de Lilica um fundamental elemento de leveza no processo de criação.
Já a dramaturgista corporal, Valéria Vicente (além de bailarina, pesquisadora teórica e professora em dança) foi o contraponto, o “incômodo” necessário para desafiar, suscitar o debate e gerar as convicções de escolhas e caminhos eleitos pelas bailarinas no processo criativo.
Quanto a outros integrantes do processo de criação, destaque-se ainda a generosidade de Isaar França - e seu imenso talento - em deixar sua criatividade musical, sua voz e seu universo de referências traduzirem os desejos e movimentos de Maria e Renata. Ainda, as cenografistas (Lu de Mari e Isabela Aragão) concorrem para “vestir” o palco e amalgamar a funcionalidade do espaço em diálogo com a dança; o que é completado pela luz de Luciana Raposo, aspectos desenvolvidos em procsesso e que ganham sua vida própria como coadjuvantes em cena.

(postado por Renata Pimentel)

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