sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Ode XI

Levarás contigo
Meus olhos tão velhos?
Ah, deixa-os comigo.
De que te servirão?

Levarás contigo
Minha boca e ouvidos?
Ah, deixa-os comigo
Degustei, ouvi
Tudo o que conheces
Coisas tão antigas.

Levarás contigo
Meu exato nariz?
Ah, deixa-o comigo
Aspirou, torceu-se
Insignificante, mas meu.

E minha voz e cantiga?
Meu verso, meu dom
De poesia, sortilégio, vida?
Ah, leva-os contigo.
Por mim.

(Hilda Hilst, Da morte, odes mínimas. São Paulo: Globo, 2003, p.39)

Pelos olhos de Hilda, a morte tem tantos nomes, insuspeitos. É inquieta fonte de versos que enternecem, doem, assustam pela força, pelo lírismo, pelas imagens. Inusitadas, tantas vezes.
Na "barganha" com a morte, em diálogo, a voz poética alude a tudo de si (corpo físico) que a morte levará, quando se instaurar naquela matéria humana: olhos, boca e ouvidos, nariz... nos quais guarda o homem as lembranças pelas sensações, imagens, cheiros, sons; as coisas tão antigas que a morte tão bem já conhece. Mas o dom da poesia, a voz e a cantiga, os versos e sortilégios, a própria vida, "por mim", ou seja, pela própria poeta, é pedido que sejam esses os "troféus" que leve consigo a morte, pois assim o poeta permanece... Será? Um caminho possível de leitura.

(postado por Renata Pimentel)

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